Velhas Sombras - Poesia de José Martino




VELHAS SOMBRAS


Quando chegou a minha vez,

A chama estava fria

E as damas já dormiam empalhadas

Nas torres de enluvadas luas.

Desço pelas ruas perplexas de macadames,

Desbotados tobogãs queimando o silêncio

Por entre as sombras encaixotadas dos muros

E o cheiro da terra sangrada pela chuva,

Terra sagrada que incensa os céus capinados das aves

E nivela o passo do tordo ao estorninho.

Cresce a noite no adágio de violinos míticos,

Que dá ritmo às pernas do meu cavalo,

Feito manadas de antílopes em fuga

E cresce meu coração embriagado por incertezas nulas,

Ante a desprezível possibilidade dos anos

Terem deitado raízes no sal destes olhos,

Cobertos de espinhos.

Sigo por caminhos difusos,

Desviando das pedras que o tempo impõe

Ao outono dos homens.

Subitamente,

Paro diante da velha casa abotoada

Em sua formosa ruína,

Onde as aranhas floriram teias

Como ramadas de caramanchões

Sobre a lembrança dos dias felizes.

A amada não está mais ali,

Suspirando no alpendre ventilado de saudades

Pelo príncipe que apodreceu moço,

Enquanto cavalgava descuidado

Serpentes e ratazanas,

A juventude decotada a se decompor arisca

Como as velas do derradeiro aniversário

E a vida rodopiando sobre um cordão esticado...

Lá adiante,

Desce a noite

Com seu poncho de estrelas nuas,

Carregando as velhas sombras

Que cobrirão teus ossos.


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Do livro "Quando voltarmos a ser pássaros" 

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