Este poema obteve o 1º lugar no VII Concurso Internacional de Poesias de Joaquim Távora / PR em 2024.
*** *** ***
NO PAÍS DOS CEGOS
No país dos cegos,
Ninguém vê a fome que devora o ventre de muitos,
Ninguém vê a dor que oprime o peito de tantos,
Ninguém vê o sangue que se acumula nos olhos de todos.
O rei toca flauta...
A miséria sobe aos céus confeitada com açúcar
Ou não sobe até lá, nem vai muito além
Do telhado daquele edifício dos diabos,
De vértebras salientes e omoplatas bicudas,
Feito nossas crianças – vida amarga -
Celeiro de cruzes e cicatrizes.
Dali, tanta gente partiu em peregrinação derradeira
Para a terra onde os ventos caminham de costas
E as sombras balançam-se em gangorras na escuridão.
Ontem, um ancião atirou-se vertiginosamente de uma sacada,
Pondo fim aos sofrimentos de toda uma existência
Mascada pelos demônios cruéis que nós somos
(Porque saímos à imagem e semelhança
Desses deuses negligentes e flatulentos,
Que não se abalam dos covis
Onde enfronham seus traseiros inchados
Nem para contemplar os pássaros e as borboletas
Arrastando liricamente o entardecer.)
No país dos cegos,
As mulheres vão saltitantes às fontes para encher as bilhas de barro,
Os meninos brincam travessos nas águas feito golfinhos
E as jovens lavam seus recatos à sombra das árvores excitadas,
Desejando tornar a ser homens de carne e ovos.
Tanta felicidade infundida pelo rei...
Porém,
No país dos cegos,
Ninguém sabe que a fonte é um córrego de água podre,
Onde todos bebem por não saber o que estão bebendo,
Onde todos brincam por não saber onde estão brincando,
Onde todos se banham por não saber como estão se banhando.
Vida amarga...
Vida amarga...
No país dos cegos -
Bem sabe o rei -
É conveniente manter os cegos cegos.
*** *** ***
Gostou deste poema?
Aproveite para conhecer outras poesias do autor no livro
QUANDO VOLTARMOS A SER PÁSSAROS
Clique no link abaixo para obter maiores informações: