O Amuleto - Miniconto de José Martino



O AMULETO


Certa vez, quando eu era estagiário no Museu de Arqueologia da USP, ocorreu um caso singular. Dois professores medalhões da universidade achavam-se bastante entusiasmadinhos com a recente descoberta, nos dentros profundos da floresta amazônica, de alguns indivíduos da tribo Tupinambu, que se acreditava extinta há quase cento e cinquenta anos. Mais do que isto, empolgava-os a possibilidade de conversar com o pajé dos Tupinambus em seu idioma, o qual imaginavam dominar, pois o indígena fora convidado pela universidade para fazer uma visita ao museu, onde havia alguns artefatos feitos pelo seu povo. A chegada do velho pajé estava prevista para aquela tarde e os dois ilustres professores queriam tirar uma dúvida com ele, a fim de resolver definitivamente uma renhida contenda acadêmica entre aqueles venerandos mestres. Havia no museu um curioso objeto que ninguém sabia exatamente para que servia. Cada um deles já tinha escrito um calhamaço de mais de 800 páginas, defendendo o seu ponto de vista. O professor mais velho, do cume de sua sabença prodigiosa que lhe arqueava as costas, era da opinião que tal amuleto servia para conversar com os mortos. O menos velho, mas também decrépito, que achava o outro uma boa cavalgadura, dizia que o amuleto era utilizado para curar doenças. E durante mais de trinta anos, desprezaram-se mutuamente por causa desta querela infrutífera.

Quando o pajé chegou, os dois logo foram atormentá-lo com aquela questiúncula que lhes consumia as almas. Apresentaram-lhe o amuleto. O índio sorriu e disse:

- Sim, sei muito bem o que é isto...

- Então, proferiu o mais velho, vocês o empregam para invocar os mortos?

- Não, disse o menos velho, vocês usam este amuleto para curar os enfermos, não é mesmo?

O pajé apanhou o pequeno objeto em sua mão direita e respondeu tranquilo:

- Nada disso. Usamos para pitar...

E, tirando do bolso uns fenos de odor forte, acendeu o bagulho e passou a fumar deliciosamente.

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Este conto encontra-se no livro "Sofialóris, vá se vestir, menina!"

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