Conto "O Coreto" de José Martino


O CORETO

Era uma vez uma pequena cidade, que possuía um pequeno coreto. O coreto era muito velho e ninguém sabia quem o havia construído. Simplesmente, quando as pessoas daquela geração chegaram, formigando seus apetites, arrastando suas incertezas e mesquinharias, ele já se encontrava ali. Um dia, alguém percebeu que o coreto não tinha nome e um problema se espichou feito um lagarto numa pedra sobre a pacata cidade: precisavam batizá-lo com urgência, uma vez que seus ancestrais não haviam se dado a este trabalho.

Logo, instituiu-se uma comissão de notáveis, formada pelos mais preclaros cidadãos do município, a fim de escolher um ilustre filho da terra para ser homenageado, emprestando seu glorioso nome ao mictórico coreto. Infelizmente, após desbundadas discussões, chegou-se à conclusão de que não havia ali ninguém que merecesse tal homenagem. Era uma gentinha despreparada, obtusa e xucra. A maior parte não passava de umas cavalgaduras e, a bem da verdade, nenhum daqueles homens e mulheres que ali vegetavam tinham se destacado em qualquer área do conhecimento humano, nas artes ou nos esportes.

Mesmo assim, houve inúmeras reuniões numa das salas da prefeitura para tentar resolver aquele dilema que parecia insolúvel como pedra. O Zé Pipoqueiro, nobre vereador de irremendáveis méritos e que vendia pipocas na praça da matriz após as missas, disse ser imperioso nomear o coreto de uma vez por todas, pois não podiam mais protelar assunto daquela envergadura, crucial para os suntuosos destinos do município, cujos habitantes acreditavam estar reservadas as mais anchas glórias.

Após escavarem todas as possibilidades, com muita boa vontade chegaram a dois nomes, as duas únicas “personalidades” que tinham feito algum eco na capital. A primeira era uma velha vedete do teatro rebolado, que tinha fama de fazer programas suspeitos com cavalheiros de fino trato lá pelas bandas da praça da República e diziam ser muito parecida com a Luz Del Fuego, quando estava de costas. O outro era um cacete professor de primeiras letras, metido a escritor, cujo maior mérito literário foi ter sido citado em um pé de página de uma proveitosa revista de circulação nacional para moças, após ter se esgrimido ferrenhamente numa interessantíssima polêmica sobre o emprego mesoclítico do pronome oblíquo átono de terceira pessoa em formas verbais do futuro do pretérito. Logo, formar-se-iam dois partidos, os vedetistas e os beletristas (também chamados cacetistas pela oposição). Em pouco tempo, as discussões esquentaram, houve renhidas pelejas apaixonadas e até as sombras pareciam pegar fogo, tão grandes eram os ânimos inflamados. Porém, como não chegaram a um consenso, resolveram deixar a pendenga para depois das eleições.

O novo prefeito constatou que, estranhamente, os cofres públicos tropeçavam à míngua e resolveu fazer caixa vendendo o terreno onde se localizava o coreto. O feliz proprietário encerrou a antiga disputa de maneira inquestionável, deitando abaixo o velho coreto para fazer um estacionamento no local. Estava liquidado o problema. Vedetistas e beletristas ainda procuram outra contenda para continuarem se engalfinhando. O novo estabelecimento foi logo batizado. Quem passar por lá, pode ler em letras garrafais numa placa sobre a entrada: Estacionamento do Tião.

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Este conto encontra-se no livro "Sofialóris, vá se vestir, menina!"

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