Trecho do Livro - O Espelho de Ticiana de Fátima M. Brito


Trecho I


As vidraças, hoje, parecem mais transparentes.

O sol está entrando com mais facilidade e eu já me cansei dos óculos escuros, mas o excesso de luz me incomoda, cada vez mais.

Parece que você se foi e me deixou de herança a saudade e a fotofobia. Por isso, gosto tanto de ficar sentada na mesa da sala de jantar, voltada para o espelho oval de moldura azul royal, único presente de sua mãe.

Um jeito de ficar na posição oposta à da claridade.

Preciso pedir para alguém colocar cortinas escuras nessa casa.

É um espelho bonito. Mas parece chupar minha imagem.

Já tentei algumas vezes desviar meus olhos, mas algo em mim prende minha atenção. Algo além dos dentes amarelados, dos olhos enfeiados por olheiras abissais ou do rosto inchado.

Uma sensação de olho se afogando, de fluxo seguindo a direção contrária à esperada, de rio correndo para a nascente.

A lágrima ainda lampejando resiste a escorrer.

Talvez ela reflita um pouco o que estou aqui a fazer: correndo em direção contrária à pretendida, patinando no mesmo lugar.

Uma sensação de que escrever a história da doidinha apaixonada pelo carpinteiro está sendo mais trabalhoso do que imaginei. No meio do caminho, fui descobrindo tantos afluentes que a certeza da linha reta se perdeu um pouco. (...)”

(BRITO, Fátima M. O Espelho de Ticiana. São Paulo: Editora Patuá, 2023, p. 87)


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